O escritor equato-guineense Juan Tomás Ávila Laurel disse, em entrevista à agência Lusa, que existe uma “pena de morte oficiosa” na Guiné Equatorial que não acabará, defendendo que o Presidente Obiang jamais cumprirá as exigências da comunidade lusófona. Talvez por isso é que o secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Francisco Ribeiro Telles, felicitou agora o presidente da Guiné Equatorial pelo 51.º aniversário da independência do país, desejando que continue no caminho do desenvolvimento.
“P ara o público e para a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), a Guiné Equatorial até pode abolir a pena de morte, mas o que acontece é que há uma pena de morte oficiosa. Ainda que oficialmente digam que não há pena de morte, as pessoas morrem de forma secreta”, disse.
Autor de livros como “Arde o monte durante a noite (2009)”, “A Carga (1999)” ou “Avião de ricos, ladrão de porcos (2008)”, Juan Tomás Ávila Laurel deixou a Guiné Equatorial em 2011 após uma greve de fome contra o regime do Presidente, Teodoro Obiang, há 40 anos no poder.
Desde então a residir em Espanha, a vida do escritor é contada no novo documentário do jornalista catalão Marc Serena, “O escritor de um país sem livrarias”, que tem estreia marcada para 23 de Outubro, durante a Semana Internacional do Cinema de Valladolid (SEMINCI).
Ávila Laurel (1966) nasceu em Ano Bom, uma pequena ilha no Atlântico pertencente à Guiné Equatorial, mas viveu sobretudo na capital, Malabo, tendo estado recentemente no país para a rodagem do documentário.
“Desde 2013, que vou à Guiné e regresso a Espanha sem problemas. Quando me perguntam se não me fizeram mal, o mais provável é que tenham pensado em alguma armadilha ou em acusar-me de alguma coisa. Mas vou tranquilo porque é o lugar onde deveria viver e não posso passar toda a vida com medo”, disse.
O escritor garante que “deixou de ter medo” apesar dos abundantes exemplos de pessoas desaparecidas misteriosamente, incluindo o de um ex-vice-presidente do país que após vários anos exilado em Espanha regressou à Guiné Equatorial e em duas semanas morreu.
“Oficialmente podem dizer que não condenam ninguém à pena de morte, mas enquanto isso morrem pessoas nas prisões, que foram torturadas. A CPLP é uma coisa de políticos que querem fazer um pouco um jogo para que as coisas na galeria sejam vistas de determinada maneira e justifiquem a inclusão de Obiang” na comunidade, adiantou. “Obiang não cumprirá nada, nunca deixará de ser má pessoa, mau político e mau presidente”, acrescentou.
Sobre o documentário, Ávila Laurel espera conseguir alertar as pessoas para a situação que se vive na Guiné Equatorial: “Há muitíssima gente que não sabe que a Guiné Equatorial existe, nem qual a situação em que se vive. O documentário é um meio novo para fazer uma aproximação à Guiné Equatorial”.
O documentário acompanha o dia-a-dia do escritor como forma de dar a conhecer o quotidiano de um país: “Os [restantes Estados] da CPLP deviam saber que na capital [Malabo] ainda não há água potável. Insistir na questão da pena de morte é uma maneira de lavar a imagem [do regime] quando verdadeiramente estamos a sofrer e não há condições para que as pessoas vivam ou possa tratar-se das doenças”.
A Guiné Equatorial é um dos nove Estados-membros da CPLP, a que aderiu em 2014, mediante um roteiro que incluía a disseminação da língua portuguesa, a melhoria da situação dos direitos humanos e a abolição da pena de morte.
As autoridades reclamam que desde a adesão está em vigor uma moratória sobre a pena de morte e o Presidente Obiang prometeu, em entrevista à Lusa em Julho, que a pena de morte será abolida no país até final do ano.
Um dos principais países produtores de petróleo da África Subsaariana, a Guiné Equatorial ocupa o 149.º lugar, em 189 países, do Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas.
Governada há 40 anos pelo Presidente Teodoro Obiang, que chegou ao poder através de um golpe de Estado, a riqueza da elite política que governa contrasta com a extrema pobreza em que vive a maioria dos seus cerca de 800 mil habitantes.
“Formulo votos para que a Guiné Equatorial continue com empenho e dinamismo o processo de afirmação e desenvolvimento nacional, e, de igual forma, a desempenhar um papel cada vez mais activo no reforço dos laços que unem os Estados-membros da nossa comunidade”, afirmou criminosa e hipocritamente Francisco Ribeiro Telles, o secretário executivo da CPLP.
O secretário executivo aproveitou “para dar conta da grande satisfação da CPLP em juntar-se às autoridades e ao povo equato-guineense nesta importante celebração”. É preciso ter lata e ser cobarde até dizer basta para afirmar tal coisa.
Francisco Ribeiro Telles deveria, no mínimo, ser demitido e, é claro, a CPLP deveria ser extinta por ser um antro putrefacto e, muitas vezes, até um prostíbulo do que de mais vil se faz a nível político. Integram esse bordel, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Portugal, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
A outra face da geringonça da CPLP
E então, que tal assumir (isso é que era bom!) que a entrada da Guiné Equatorial no bloco lusófono foi, é e será uma questão que envergonha a organização?
É, de facto, uma vergonha do tamanho da própria Lusofonia. Já não bastavam os problemas que a CPLP tem desde a nascença, pois não? E que tal olhar de forma séria para a Guiné-Bissau, que hoje é um “Estado-falhado”, um “narco-Estado”?
Não. Nada disso. A Guiné Equatorial é que é importante, mesmo sabendo-se que Teodoro Obiang é um dos governantes mais antigos à frente de um Governo em África, lugar que ocupou depois de um golpe de Estado contra o próprio tio, Francisco Macías, que foi posteriormente fuzilado.
Obiang e membros da sua família (nomeadamente o seu filho ‘Teodorin’ Obiang) – que têm uma das maiores fortunas em África segundo a revista Forbes – enfrentam processos em alguns países por corrupção, fraude e branqueamento de capitais, assim como o Presidente enfrenta acusações de violação dos direitos humanos.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse confiar que a CPLP poderá desempenhar “um papel positivo” quanto à pena de morte, em relação à qual a Guiné Equatorial impôs uma moratória.
“A pena de morte está espalhada em todos os continentes ainda, infelizmente. Mas tenho confiança que a CPLP possa desempenhar um papel positivo neste domínio”, defendeu o responsável da Organização das Nações Unidas.
Sobre problemas de desrespeito de direitos humanos em países lusófonos, o secretário-geral da ONU considerou que “há passos significativos a dar em matéria de direitos humanos em todo o mundo” e lembrou que é uma das “questões essenciais da agenda das Nações Unidas”.
“Espero que a CPLP, como todas as organizações internacionais, tenha um papel muito importante no sentido de que os direitos humanos se transformem num ponto essencial da agenda internacional. Estou confiante que a CPLP, também aí, exercerá um papel muito importante”, defendeu.
Antes, Guterres sublinhou: “Temos de ir ao essencial. O essencial, para mim, depois de ter sido co-fundador da CPLP, é uma profunda alegria estar como secretário-geral (na altura ainda não tinha tomado posse) das Nações Unidas numa reunião da CPLP e ver que está viva, empenhada numa agenda internacional que coincide com a agenda das Nações Unidas”.
E, pelos vistos e fazendo fé nas declarações de António Guterres, a Guiné Equatorial é o único problema – pequeno, certamente – da CPLP. Até porque, disse o secretário-geral da ONU – “o essencial” é – veja-se – que a CPLP está viva.
No dia 16 de Junho de 2010, quando Pedro Pires recebeu o seu homólogo da Guiné Equatorial, ficou a saber-se que o então presidente de Cabo Verde era cada vez mais apologista da entrada do reino de Teodoro Obiang Nguema Mbasogo na Comunidade de Países de Língua(?) Portuguesa.
Na altura, os mais ingénuos estranharam que Pedro Pires tenha barrado os jornalistas quando estes, numa coisa a que se chama liberdade de imprensa, se aproximaram para chegar à fala com Teodoro Obiang.
Pedro Pires impediu as câmaras da televisão de filmarem a entrada para o veículo oficial que levou Obiang para a Assembleia Nacional, o que gerou manifestações de repúdio dos jornalistas, tal o ineditismo do gesto, que foi mostrado e comentado de forma crítica pela televisão local.
Obiang, que a “Forbes” já apresentou como o oitavo governante mais rico do mundo, e que depositou centenas de milhões de dólares no Riggs Bank, dos EUA, tem sido acusado de manipular as eleições e de ser altamente corrupto. “Mas o que é que isso importa”, terá na altura perguntado Pedro Pires, tal como fizeram na altura José Eduardo dos Santos, Armando Guebuza ou Pedro Passos Coelho.
Obiang, também ele amigo do “querido líder” do MPLA (do actual e do anterior), que chegou ao poder em 1979, derrubando o tio, Francisco Macias, foi reeleito com 95 por cento dos votos oficialmente expressos (também contou, como é hábito, com os votos dos mortos), mantendo-se no poder graças a um forte aparelho repressivo, do qual fazem parte os seus guarda-costas marroquinos.
“Mas o que é que isso importa?”, perguntarão hoje João Lourenço, Filipe Nyusi, António Guterres ou Marcelo Rebelo de Sousa.
Recorde-se que gozando, como todos os ditadores que estejam no poder, de um estatuto acima da lei, Obiang riu-se à grande e à francesa quando em 2009 um tribunal… francês rejeitou um processo que lhe fora intentado por recorrer a fundos públicos para adquirir residências de luxo em solo gaulês, com a justificação de que – lá como em qualquer parte do mundo – os chefes de Estado estrangeiros, sejam ou não ditadores, gozam de imunidade.
“Mas o que é que isso importa?”, perguntam hoje os senhores da CPLP, desde logo Francisco Ribeiro Telles.
Folha 8 com Lusa